28.2.08

No Concerto (conto)

Ai que chatice!

Todos esses músicos masturbando incessantemente seus violinos sem nunca gozar, em movimentos repetitivos, monótonos e previsíveis. Toda essa harmonia quase que me enoja. O maestro com seu fraque preto e aquela baqueta/falo na mão direita fazendo movimentos meticulosos e sem vigor, balançando a cabeça como se houvesse realmente uma musica emocionante tocando quando todo o som que sai é uma baboseira harmônica e completamente previsível. Não há arrebatamento ou susto, cada nota é o prenuncio da próxima.

Os músicos, coitados, enclausurados dentro de suas roupas formais, pretas e engomadas, parecendo um perfeito bando de pingüins ou de garçons ( acho que vou pedir um chopinho a algum deles no intervalo entre a ária e a sonata.)

Os pingüins/garçons/músicos todos tocam com muita elegância e orgulho seus instrumentos e alguns até tentam imprimir o que a música permitir de emoção ou animo, mas são rapidamente curvados perante a uma música chata e sistemática cujas notas parecem se prosseguir uma após a outra como pecas de dominó enfileiradas que caem linearmente a após a primeira nota que sai do violino.

Acaba a primeira peça, o maestro se vira para o público e faz comentários históricos carentes de conceito e cercados de piadinhas ‘zé ruela’ para descontrair o público já prestes a dormir. O público aproveita o tempo para se endireitar nas cadeiras, ri um pouco das piadinhas do maestro, limpa a garganta, coça os olhos e escuta a próxima, mais a próxima e a próxima até que chega o esperado momento do cafezinho, estrategicamente bolado antes de um ronco qualquer de um cidadão menos culto se juntar à melodia ou antes que se retire no meio da música aquela parte do público que já não voltará depois do café.

Volto à sala após um cigarro, e com a falta do cafezinho que foi impossibilitado por causa do grande amontoado de velhos de terno que se digladiavam educadamente em frente à lanchonete. Poupei R$ 3,00.

Na reentrada do concerto repete-se o ritual inicial de entrada dos músicos, que entram e são aplaudidos pela platéia, logo após entra uma mulher que é prontamente aplaudida e fico sem saber bem se é a primeira violinista ou simplesmente está sendo aplaudida por chegar atrasada, e depois de mais alguns instantes entra o maestro e os músicos o recebem de pé, talvez na vã esperança de que o cansado público faça o mesmo.

Começa a oitava sinfonia e me apercebo dos meus estranhos arredores. À esquerda encontra-se um senhor acompanhado de uma socialite vestida de penas e pedras semio-preciosas que finge acompanhar de olhos fechados a sinfonia e faz movimentos com as mão para indicar que não está dormindo, suas mão param definitivamente depois do segundo movimento.

À minha frente está uma família de classe média guiada por uma senhora de cabelos pintados de amarelo e com a cara de um sofá que não pode ser sentado. O pai olha fixamente para frente, embora sua mente se volte para os fones de ouvido que tem nas orelhas, e que lhe transmitem ao vivo o jogo do Vasco. Em um momento de exaltação ameaça romper a paz do ambiente para mandar o juiz à merda, mas se contêm e continua a ouvir silenciosamente à sinfonia futebolística que lhe proporciona o seu time do coração. O filho mais novo dorme serenamente enquanto que os mais velhos se esforçam para não fazer o mesmo.

Intelectuais com as hastes dos óculos nos cantos da bocas acenam afirmativamente com as cabeças para mostrar que compreendem à grande obra, alguns mais ousados tentam até imitar com as indicadores os movimentos do falo maéstrico.

E é neste ambiente que, durante o terceiro movimento da décima sinfonia, junta-se à orquestra um instrumento inusitado. Eis que do meio do público um cu desavisado emite um sonoro peido em Mi Bemol.

Está aberta a caixa de Pandora. A primeira violinista larga no chão a palheta do violino e põe-se a chorar desesperadamente no ombro do segundo violinista e todos os demais violinistas e percursionistas param de tocar para tentar acalma-la. O pianista bate com a cabeça nas teclas do piano e o maestro continua a reger impassível, seguido somente pelo contra baixista, que produz um som grave que parece continuar o som do peido.

Toda a platéia se volta instantaneamente para o senhor gordo sentado na poltrona 7c, ao lado da esbelta senhorita da poltrona 7d, autora inconfessa do peido. O ambiente começa a feder e vai ficando tenso ao som estomacal do contrabaixo.

O senhor da 7c, não satisfeito em assumir involuntariamente o peido da senhorita vira-se para ela e vê que esta não tinha a menor intenção de assumir o ato, (pelo contrario, olhava-o com olhos acusadores e apontava para ele). Dá-lhe então um soco no olho esquerdo que ela vai cair na 7e, ao que boa parte do público ao redor pula em cima dele e em poucos momentos a confusão já está armada.

O publico entra em uma pancadaria generalizada e rasgam-se paletós, e um intelectual acaba por engolir seus óculos e alguns mais exaltados já começam a arrancar os braços das poltronas para usar como porretes. É no meio disso tudo que o maestro joga de lado sua baqueta e arranca a touca que o fazia parecer careca exibindo assim uma vasta cabeleira e arranca também de seu corpo o fraque, a gravata borboleta, o colete italiano e a camisa com seu lenço de lapela e abotoadeiras e fica somente com uma camisa do flamengo cobrindo seu busto peludo. Pula do palco lançando uma voadora certeira no meio dos peitos do intelectual da poltrona 1h e sai distribuindo vigorosas porradas rubro negro na platéia ensandecida.

Foi quando os músicos todos fugiram e de algum lugar surgiu um grupo de negros que assumiu os instrumentos e começou a tocar um jazz furioso até a hora em que já não havia mais ninguém de pé.

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